A ESSÊNCIA DO SANTO
SACRIFÍCIO DA MISSA
Por pe. Martinho de
Cochem.
Na língua sagrada de nossa mãe, a
Santa Igreja católica, no latim, a Santa Missa é designada pelo nome de
"sacrificium", sacrifício.
"Um sacrifício é um dom
visível, oferecido, exclusivamente, a Deus, por um ministro sagrado, para
reconhecer a soberania do Altíssimo sobre todas as coisas".
O sacrifício, portanto, é um
culto devido, exclusiva e unicamente, a Deus. A nenhuma criatura,
por mais elevada que seja, compete jamais um sacrifício.
Diz Santo Agostinho:
"Quem pensaria jamais, que se pudesse oferecer sacrifício, senão ao Deus
único e verdadeiro?"
Somente à idolatria insana dos
Imperadores romanos ficou reservada a presunção sacrílega de exigir, dos súditos
desditosos, sacrifícios de diversas formas.
Indagando a origem do
sacrifício, que encontramos entre os povos, sem exceção devemos confessar, com
S. Tomás de Aquino, que é uma lei natural oferecer sacrifícios a
Deus, e, por este motivo, é que o homem se sente levado a sacrificar,
sem insinuação ou conselho de alguém.
Com efeito, Caim e Abel, Noé e
Abraão, como outros patriarcas, profetas e reis do antigo testamento ofereceram
a Deus sacrifícios espontaneamente.
Porém não só os que
conservaram a fé no Deus verdadeiro, mas também os povos que apostataram desta
fé, os pobres pagãos, ofereceram sacrifícios a seus ídolos. Pois, o sacrifício,
como a religião, da qual é a mais elevada manifestação, é, realmente, uma
necessidade da natureza humana, e, por isso, encontramo-lo entre todos os povos
de todos os tempos.
Por conveniência imperiosa, Jesus
Cristo cuidou de deixar na sua religião, divinamente perfeita, uma forma de
sacrifício, como jamais houve entre povo algum; e essa forma de sacrifício é
a Santa Missa.
A
respeito, ensina o Santo Concílio de Trento:
"Segundo o testemunho de S.
Paulo Apóstolo, o sacerdócio levítico do antigo testamento não atingiu a
perfeição. Assim, desde a origem do mundo, o Deus da Misericórdia determinara
que surgisse um sacerdote podendo aperfeiçoar e completar o sacrifício. Esse
sacerdote era Jesus Cristo, Nosso Senhor que, depois de se ter oferecido a
seu Pai sobre o altar da cruz, não queria deixar extinto o seu
sacrifício, e, na véspera de sua morte, deu a sua esposa mística
estremecida, a Santa Igreja, um sacrifício visível, segundo as exigências
da natureza humana."
Este sacrifício devia
perpetuar o Sacrifício cruento que Jesus Cristo ia oferecer sobre a Cruz; devia
perpetuar-lhe a memória até o fim dos tempos e, por sua virtude salutar, nossos
pecados quotidianos deviam ser perdoados. Deste modo, Jesus Cristo
declarou-se sacerdote segundo a ordem de Melquisedec, oferecendo a seu
eterno Pai seu Corpo e seu Sangue, sob as aparências de pão e vinho, que
deu a seus apóstolos também sob as mesmas espécies, instituindo-os sacerdotes do
novo Testamento. E, dizendo as palavras: "Fazei isto em memória de mim", ordenou-lhes e
aos seus sucessores no sacerdócio, que os oferecessem em sacrifício.
A Santa Igreja nos ensina que, na
última Ceia, Jesus Cristo não só mudou o pão e o vinho em seu Corpo e em seu
Sangue, mas também ofereceu-os a Deus, seu Pai, e instituiu e ofereceu
pessoalmente o Sacrifício do novo Testamento, a fim de que se
reconhecesse, nele, este sacerdote de que canta o salmista: "O Senhor
jurou e não se arrependerá de seu juramento. És sacerdote eterno segundo a ordem
de Melquisedec" (Sl. 109, 4).
Muito contrário ao costume de sua
época, Melquisedec não imolava animais como faziam Abraão e outros patriarcas,
mas, por inspiração do Espírito Santo, levantava o pão e o vinho para o
céu e oferecia-os por meio de cerimônias e orações especiais. Assim
tornou-se a figura de Jesus Cristo, e seu Sacrifício é o símbolo da nova Lei.
Como tudo que se relaciona com a
pessoa do salvador foi objeto de admiráveis profecias, desde os dias do paraíso
até os últimos tempos do antigo testamento, também o sacrifício que havia de
coroar e perpetuar a obra redentora na cruz, foi predito séculos
antes.
Escreve o profeta Malaquias:
"Minha afeição
não está mais em vós, diz o Senhor dos exércitos, e nunca mais receberei ofertas
de vossas mãos, porque, desde o oriente até o ocidente, meu nome é grande entre
as nações e, em toda parte, se sacrifica e oferece uma oblação pura".
Esta profecia não se realizou no
antigo testamento, como se vê no próprio texto, pois o próprio Deus declara
rejeitar os antigos sacrifícios.
Tão pouco a profecia se refere ao
sacrifício da cruz, porque esse sacrifício foi oferecido somente uma vez e em um
lugar.
É de um sacrifício novo e puro em
que Deus tem as complacências, que o profeta fala. Esse sacrifício,
infinitamente puro, não pode ser outro senão o sacrifício da Missa.
Desde o momento de sua instituição no cenáculo, crêem e confessam isto os
apóstolos, os evangelistas, todos os primeiros cristãos, e assim ainda crê e
confessa a Igreja católica universalmente, tanto quanto as igrejas cismáticas
orientais.
De acordo com o
evangelista S. Lucas, a Santa Igreja ensina:
"Na véspera de sua morte, Jesus
Cristo tomou o pão e, rendendo graças a Deus, partiu-o e deu aos discípulos,
dizendo: "Isto é o meu Corpo que será entregue por vós;
fazei isto em memória de mim". Da mesma forma, tomou o cálice depois da
ceia, dizendo: "Este cálice é o novo Testamento em meu
Sangue, que será derramado por vós." (Lc. 22, 19-29).
Ponderemos bem o que diz e faz o
Senhor:
Muda o pão em seu Corpo, e o vinho
em seu Sangue; e por esta separação mística de seu Corpo e de seu Sangue,
constituiu-se em holocausto. As palavras que acompanham a transubstanciação,
indicam o sacrifício. "Isto é o meu Corpo, que
será entregue por vós, isto é o meu Sangue, que será derramado por
vós". Ainda que se quisesse aplicar estas duas palavras
"entregar" e "derramar" ao Sacrifício da Cruz, Jesus Cristo afirma, claramente,
que estas duas ações se realizam na Ceia, e assim afirma também que houve aí
sacrifício.
Se os adversários pretendem
desvalorizar este ensino de nossa Santa Igreja, dando outras explicações
torcidas e infundadas, como é que explicarão as palavras claras de S. Paulo
Apóstolo, quando escreve aos Hebreus:
"Temos um altar, e uma vítima
da qual os que prestam serviços ao Tabernáculo, (isto é, os judeus) não têm o
direito de comer" (Hb. 13, 10). Ora, não poderia existir altar
sem oblação, e a palavra "comer" indica, claramente, que não se trata do
sacrifício da Cruz, mas de um sacrifício (comestível) nutriente, tal qual Jesus
Cristo o instituiu na Ceia.
Lemos também, na vida do
apóstolo S. Mateus, que foi morto no altar, quando celebrava os santos
mistérios. Na vida de Santo André, refere-se que ele disse ao juiz Egéias:
"Ofereço em sacrifício, diariamente, a Deus todo-poderoso, não a carne de
touros, nem o sangue dos animais, mas o Cordeiro
Imaculado".
É atribuída ainda a S. Tiago e
a S. Marcos uma liturgia da Santa Missa. Enfim, atribui-se também a S. Pedro o
"Cânon", isto é, a parte da Santa Missa que vai do "Sanctus" até a Comunhão.
Tantos testemunhos
provam que o Santo Sacrifício do novo Testamento esteve, desde o começo, em uso
na Igreja.
O fato de não se encontrar a
palavra "Missa" nas sagradas letras, não pode servir de argumento contra a
doutrina da Igreja. A palavra "Trindade" também não se encontra; e, não
obstante, os adversários aceitam-na. Mas, em 142, encontramos a palavra Missa
tal qual a empregamos. O Papa Pio I faz uso da palavra de maneira que evidencia
que o termo era geralmente, adotado e conhecido. Daí em diante, a palavra Missa
não desaparece mais dos escritos dos santos Padres e mais escritores da Igreja
católica.
A Igreja grega emprega nomes
de significação idêntica. Falam, por exemplo, da mesa ou do altar do Senhor,
ceia, oferta. Em vista disso, que valem os ataques dos hereges?
Os ataques violentos
promovidos, em diversas épocas, contra a Santa Missa, testemunham-lhes à
santidade e importância como também o ódio com que o demônio a persegue.
No curso dos dez primeiros
séculos, quando numerosos hereges afligiam a Santa Igreja, nenhum deles ousou
atacá-la. Era preciso, para isto, um alto grau de perversidade, uma audácia
verdadeiramente infernal.
Isto só aconteceu no décimo
primeiro século pelo herege Berengar de Cours. Porém, mal havia disseminado as
blasfêmias, o orbe católico recuou de espanto e clamou-lhe indignado:
"Tornai-vos uma pedra de escândalo para os fiéis, separai-vos de nossa Mãe, a
Santa Igreja, pois perturbais a unidade dos cristãos". Berengar, depois de
anatematizado por mais de cindo Concílios, por um milagre da misericórdia
divina, abjurou os erros, fez penitência, e morreu em 1088, confessando a
doutrina verdadeira.
Infelizmente, a heresia
sobreviveu-lhe, sendo pregada, alguns anos depois, pelos albigenses, seita
perversa que declarava, entre outros erros, o matrimônio como ilícito, e
permitia a impureza. Em particular, atacava a Missa privada, vulgarmente chamada
Missa-rezada. Aos que assistiam a essas Missas, perseguiam com penas horrorosas
e, mais ainda, aos Padres que tinham a coragem de celebrar os santos mistérios.
Após os albigenses, os
inimigos mais encarniçados da Santa Missa foram os reformadores do século décimo
sexto. O próprio Lutero confessa, no livro "contra a missa", cap. XIX, ter sido
impelido por Satanás a abolir a Santa Missa como um ato de idolatria, e que fez
sabendo, perfeitamente, que o demônio odiava todo o bem e que seus ensinos eram
mentirosos.
Se as trevas infernais não
tivessem invadido, inteiramente, toda a inteligência de Lutero, não teria antes
raciocinado assim: se Satanás considera a Santa Missa como um ato de idolatria,
para que procura abolí-la, em vez de louvá-la e propagá-la, a fim de insultar
mais cruelmente o Altíssimo?
Ora, Satanás privou o Santo
Sacrifício da Missa a todas as seitas luteranas, causando-lhes tão profundo ódio
contra este santo mistério, que vomitaram a espantosa blasfêmia: "A Missa é uma
abominável idolatria... aí renuncia-se o sacrifício cruento de Cristo!" Assim se
exprime o catecismo dos calvinistas de Heidelberg.
Pobres insensatos! Neste caso,
como podem admitir que uma alma se tenha salvo desde Jesus Cristo? Todos os
apóstolos, todos os sacerdotes têm celebrado o Santo Sacrifício da Missa, os
mártires, os confessores assistiram-no com terna devoção. Acusarão todo este
exército de Cristo de idolatria, e, por conseguinte, digno do inferno? O simples
bom senso a isso se opõe.
Ah, mais suave é ouvir S.
Fulgêncio dizer: "Creio, sem dúvida alguma, que o Filho único de Deus,
feito homem por nós, ofereceu-se em sacrifício a Deus Altíssimo, a quem a Igreja
católica oferece, sem cessar, na fé e na caridade, o Sacrifício do pão e do
vinho".
Tomemos cuidado para não nos
acontecer o que aconteceu aos hereges, a quem Satanás tirou a Santa Missa. Não
podendo privar-nos inteiramente dela, esforça-se, pelo menos, para cegar-nos
sobre o valor infinito do Santo Sacrifício a fim de que, apreciando-o pouco,
deixemos de assisti-lo, ou não tiremos os abundantes frutos de graças que
poderíamos colher.
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